[Viver de música #9] como viver de música
em um mundo que quer muito que você faça outra coisa?
PS importantíssimo: esse texto fala um pouco da minha trajetória como alguém que consegue ser bem sucedido vivendo de música. Essa trajetória é individual e carrega todos os privilégios e as sortes que a minha vida teve e segue tendo. A idéia é que a minha história te inspire e não que ela traga pressões e comparativos impossíveis. Cada um de nós esta vivendo as suas próprias dores e delícias. Boa leitura!
Falhei nas últimas semanas em cumprir com os textos semanais, pois como diz o subtítulo da edição de hoje “o mundo quer muito que eu faça outra coisa”.
Mas como poderia ser diferente? Acho que desde que a gente passou a colocar a palavra prioridade no plural, e a usar urgente acompanhado de qualquer pedido, ficou muito mais difícil focar ou se quer enxergar o que realmente importa pra nossa vida.
Então, a primeira resposta possível para a pergunta do título é uma nova pergunta:
Você quer e consegue priorizar a construção de uma carreira agora?
Nessa foto ai de cima eu tinha 17 ou 18 anos. À essa altura, apesar da pouca idade, eu já tentava ter uma banda há uns 5 anos. Nesse show específico, na Outs, casa muito famosa do underground paulista pela sua diversidade de eventos e precariedade de estrutura, eu me lembro de pensar que talvez o tempo de ter uma banda estivesse acabando. Eu tinha recém terminado o colégio, precisava dar um jeito de pagar a faculdade e já começava a pensar no futuro, cheio de vontade de me tornar um ser humano independente.
Tocar de graça numa casa de show pela centésima vez pra um público total de 20 pessoas não se encaixava muito na realização desse plano.
Pouca gente sabe disso, mas quando a Restart começou eu me dei um ano de tentativa. Se em doze meses a banda não andasse nem um pouco pra frente, eu ia seguir a faculdade de produção musical e dar um jeito de viabilizar a minha vida adulta com o ofício da música, independente do formato, desde que fosse possível pagar as contas e ter algum conforto.
Olhando em retrospecto, da pra perceber que eu queria muito Viver de música. Entenda, eu queria viver financeiramente bem da profissão “música” ainda que isso não viesse com os privilégios e as delícias de ter uma banda de sucesso nacional. A Restart dar certo foi uma surpresa boa de um caminho que estava muito claro na minha cabeça. Então vou seguir tentando responder a nossa pergunta principal com mais uma pergunta:
Você quer viver e ser bem sucedido fazendo música ou você quer ser famoso?
Em um mundo que exige cada vez mais que nós sejamos artistas virais, que determina o valor do que a gente cria por métricas algorítmicas indecifráveis e que borrou bastante a linha entre arte e conteúdo, é normal que a gente confunda nossos sonhos e expectativas.
Perceber rapidamente que ter uma carreira na música iria exigir o mesmo tanto (ou até um pouco mais) de esforço que qualquer outra carreira, foi um fator importantíssimo para que eu tivesse, desde o início, uma determinação que só a clareza de objetivo traz.
Colocar minha energia em uma única possibilidade, que era viver de música, ainda que ela se desdobrasse em várias possibilidades no caminho, foi, e segue sendo, determinante no meu caminho.
Depois de quase 20 anos de profissão, eu sigo firme no objetivo daquele adolescente, que é fazer minha vida adulta possível com a minha música. Nesse meio tempo eu já vivi o pior momento da história na indústria musical, algumas trocas de formato de mídia, o nascimento das redes sociais e a transformação dessas redes em ambientes tóxicos para os artistas.
Em resumo, O MUNDO REALMENTE QUER QUE EU FAÇA OUTRA COISA (kkkrying).
Mas olha, eu não vou. E isso exige que eu me reinvente, trabalhe em múltiplas frentes, e o principal, SIGA FAZENDO.
Ter metas claras e planejamento é muito importante também, mas nada me tira da cabeça o poder da consistência e insistência.
O mercado hoje é cheio de desafios, mas ele sempre foi. A gente reclama da pressão pra criar conteúdo, ou do pagamento ridículo que as plataformas de streaming fazem para artistas pequenos, mas a real é que essas brigas sempre existiram, elas só tinham outros nomes.
Nos anos 90 tinha artista falando mal da MTV e de como você precisava se encaixar em um certo formato, fazer um certo tipo de vídeo, pra que seu trabalho chegasse nas pessoas (Essa entrevista do Frank Zappa demonstra bastante isso).
Nessa mesma época, vale dizer, seria quase impossível se quer lançar uma música se você não tivesse uma estrutura milionária pra gravar e distribuir ela pelo mundo. Um cenário muito diferente do que a gente vive hoje em que mais de cem mil músicas são lançadas todos os dias. A tal democratização que a internet e os streamings trouxeram e que se mistura com um trabalho musical cada vez mais precarizado.
Enfim, o capitalismo venceu, mas não foi hoje.
Com o texto se aproximando do final, parece que seguiremos sem uma resposta definitiva para a nossa primeira pergunta, mas gostaria de deixar a minha melhor possibilidade, pelo menos por enquanto.
Como viver de música em um mundo que quer muito que você faça outra coisa?
Tentando. Ser artista é tentar e tentar e tentar e tentar.
Uma carreira musical é um projeto de longo prazo, que vai exigir muito investimento de tempo, energia e grana. Se você não entender isso, a sua possibilidade de ser bem sucedido vai sempre depender de um milagre (que na maioria das vezes nunca vem).
Se você achou esse texto muito coach auto ajuda me avisa nos comentários. Se gostou, também.
🌍 Para ouvir, ler e assistir
Primeiro disco do Bon Iver, volta e meia eu volto pra esse disco. A história do Bon Iver é muito interessante e inspiradora, de um cara que estava quase desistindo e ai lançou um disco que meio que moldou o som do indie dali pra frente. Fora que é legal pensar que foi tudo feito com muito pouco recurso.
As piores músicas do mundo, segundo a newsletter “eu destruirei vocês”. Texto muito divertido (e cheio de verdades) sobre algumas músicas e/ou artistas. Polêmicas e fofocas, amamos!
Essa entrevista do Nando Reis, um dos maiores compositores do Brasil falando sobre composição e carreira com uma visão MUITO lúcida e bacana de ver.
Até a próxima.
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acho que viver de arte, seja ela qual for, é e sempre foi um desafio em qualquer época. é preciso ter clareza do que se busca e perseverar.
fica a reflexão sobre essa mudança de cenário e a adaptação que a gente precisa ter como profissional. trabalho com comunicação e consegui acompanhar o nascimento do myspace, a distribuição de música na época - inclusive da restart - e a morte da rede também. adoro a teoria que a restart foi o início do fim da mtv hahahaha. a gente precisa se adaptar às tendências sempre, esperando que elas tragam bom retorno. é um infinito try try try, porque não tem como a gente prever o que continuará sempre funcionando e o que não. aliás, quando trabalhamos em formatos de mídia, melhor ter a cabeça aberta sempre, né?